Raskólhnikov, um
rapaz de boa aparência que andava aos trapos por causa das más condições
financeiras. Morava em São Petersburgo na Rússia. Ele acabara de sair do quarto
do pensionato em que morava. Tratava-se de um lugar localizado no térreo de um
edifício com cinco andares. Ao sair, o jovem tinha de passar enfrente à cozinha
que sempre se encontrava com a porta aberta e que a proprietária, Praskóvia
Pávlovna, uma fofoqueira, observava a tudo que ocorria. Ele não queria
encontrá-la: “(...) todos aqueles disparates a respeito do pagamento,
aquelas ameaças e lamentações”. (DOSTOIÉVSKI, 2003. p. 9)
Na rua, Raskólhnikov
encontrou vários bêbados que bebiam por serem miseráveis. Ele estava há dois
dias sem se alimentar. Praskóvia Pávlovna cortara a sua refeição por causa do
atraso no aluguel. O rapaz seguiu o seu caminho até um edifício com
apartamentos que moravam trabalhadores, imigrantes, e prostitutas. Entrou sem
ser visto, indo em direção ao 4º andar. Já conhecia o local. Lá encontrou
alguns homens que estavam fazendo a mudança de moradores alemães. Seguiu em
direção ao quarto de uma senhora já idosa, Alíona Ivânovna, uma agiota local. O
jovem levara um relógio para empenhar e a velha aproveitou para cobrar um
empréstimo anterior e negociaram a situação, ao passo que a senhora fora pagar
o dinheiro noutro cômodo para emprestá-lo, enquanto o rapaz a observava,
pretendendo fazer alguma ação, futuramente. Ao voltar, a senhora lhe entregou o
dinheiro e ele saiu indo a uma taverna. Tratava-se de uma taverna humilde,
frequentada por bêbados pobres.
“A atmosfera era tão
sufocante que não se podia estar ali, e o ar estava a tal ponto impregnado do
cheiro de aguardente que poderia quase dizer-se que, só de respirar aquele
ambiente, uma pessoa era capaz de ficar embriagada”. (DOSTOIÉVSKI, 2003. p. 17)
Um funcionário
público chamado Marmieládov que estava na taverna já embriagado, após um tempo
puxou conversa com Raskólhnikov, elogiando-o, dizendo que um tal
Liebiesiátnikov batera em sua esposa, Ekatierina Ivânovna, uma viúva de um oficial
de infantaria que morrera em batalha, mãe de dois filhos. Marmieládov se casara
com ela por piedade por ela estar na miséria, além de ser uma mulher com a
saúde precária. O funcionário público tinha uma filha adolescente, Sônietchka
(Sônia), que se prostituta a pedido da madrasta por causa da má situação em que
viviam, bem como sugestões da proprietária, Amália Ivânovna, e de uma moradora.
Assim, Sônietchka passou a morar em outro local, um quarto de um apartamento de
uma família. Por conta da embriaguez de Marmieládov e das suas desgraças, o
taverneiro e seus funcionários riam dele. Raskólhnikov, sendo do tipo que não
gostava muito de conversas, naquele momento se interessou no assunto por estar
sentindo pena do outro. O funcionário comentara também que vendera algumas
roupas da esposa para beber e se sentia um inútil por ter feito isso. Dissera
que perdera o emprego por mudança de funcionários e esse fora o motivo dele ter
se entregue à bebida. Marmieládev pediu ao outro que o levasse a sua casa.
Ao chegarem,
Raskólhnikov e o funcionário desempregado subiram as escadas do prédio e foram
a um apartamento decrépito. Ouviram vozes próximas de pessoas que jogavam
baralho. A esposa de Marmieládev espanta-se ao ver Raskólhnikov, perguntando ao
marido pelo dinheiro e puxando-o de imediato para dentro do apartamento por
eles estarem no corredor. Ela mandou Raskólhnikov ir embora, “armando um
barraco” naquelas horas da madrugada, acordando os vizinhos que saíam das suas
moradas e a própria proprietária. Essa os repreendera, ameaçando-os de
despejá-los. Raskólhnikov saiu correndo dali e sem ninguém notar, ele deixou
algumas moedas na janela. Fizera aquilo por sentir pena daquela família. Logo
mais na rua, ele pensou em voltar para pegar o dinheiro de volta por estar numa
situação financeira das piores, mas percebera que aquelas pessoas precisavam
mais daqueles trocados do que ele mesmo.
No dia seguinte,
Raskólhnikov acordou por volta das 10 horas. Estava mal-humorado. Seu quarto
não passava de um cubículo que quase não continham móveis: “vivia como
uma tartaruga numa concha”. (DOSTOIÉVSKI, 2003. p. 31)
Havia uma criada no
pensionato chamada Nastássia que servia as refeições e naquela manhã, a moça
fora acordá-lo para servir chá com pena por ele não estar fazendo as refeições
regularmente, pois fazia duas semanas que não o serviam. Raskólhnikov pediu a
ela para comprar um pão e uma salsicha, mas a moça lhe ofereceu uma sopa do dia
anterior. Depois de lhe trazer a sopa, Nastássia lhe dissera que sua patroa
pretendia ir dar queixa na polícia por ele estar lhe devendo o dinheiro do
aluguel ou tampouco desocupava o quarto. Nastássia lhe dissera também que
chegara uma carta da sua mãe, Pulkhiéria Raskólhnikova.
Na carta da mãe do
rapaz era dito que ela e sua filha Dúnietchka (Dúnia) estavam com saudades dele
e preocupada por fazer em torno de quatro meses que não lhe enviava dinheiro
por causa de uma dívida, dizendo também sentir muito o fato dele ter deixado a
universidade e querer construir uma vida em outro lugar. Comentara também que
Dúnia estava na casa de um senhor, Svidrigáilov, que a maltratava, dera
“encima” dela e sua esposa, Marfa Pietrovna, interpretara o contrário, batendo
depois na moça e espalhando o boato pela redondeza. A vizinhança ao ter notícia
disso untara a porta da casa da mãe dele com piche, um costume muito comum na
época, usado para difamar uma moça como prostituta. Com isso, elas haviam
mudado de localidade por causa da pressão das pessoas. Depois de um tempo o
senhor Svidrigáilov confessara tudo à esposa e ela foi-lhes pedir perdão, além
de reverter a situação perante a vizinhança. Além disso, Dúnia estava noiva de
um conselheiro da corte, Piotr Pietróvich Lújin, parente afastado de Marfa
Pietrovna em que essa, para apagar os seus erros, fora quem arranjou esse
casamento para a moça. Era dito também na carta que ela e a filha iriam
visitá-lo em companhia de Lújin que viajaria a São Peterburgo a negócios a fim
de inaugurar um escritório de advocacia e Raskólhnikov poderia trabalhar no
escritório.
Após ter lido a
carta, Raskólhnikov não gostou da ideia da irmã se casar. Ele sabia que o
interesse de Dúnia no casamento era, somente, pelo fato do futuro esposo ser
financeiramente bem-sucedido. Para esfriar a mente, o rapaz fora dar uma volta,
indo em direção a uma praça. Lá ele viu uma adolescente embriagada que estava
cambaleando e que se sentou num dos bancos da praça, bem como um homem,
Svidrigáilov, que a seguia. Ao reconhecê-lo, Raskólhnikov passou a sentir muita
raiva, mandando-o se retirar dali. Não obedecendo, Raskólhnikov partira para
cima dele para espancá-lo, porém fora detido por um policial que por ali
passava. O rapaz contou o caso ao policial enquanto esse tentava acordar a moça
por ela ter cochilado no banco em que ela sentara. Raskólhnikov dera dinheiro
ao policial para ele chamar uma carruagem e levá-la para casa. A moça se
levantara, saindo cambaleando, enquanto Svidrigáilov a seguia pelo outro lado
da praça. O policial levou o dinheiro de Raskólhnikov, seguindo aqueles que se
retiravam. O jovem procurou se lembrar para onde iria e o que faria. Lembrou de
que iria à casa de um antigo colega de universidade, Razumíkhin, por estar
precisando de dinheiro.
“Era curioso que
Raskólhnikov, quando andava na universidade, quase não tinha aí nenhum amigo;
afastava-se de todos, não se dava com ninguém e não lhe agradava que eles o
visitassem. Aliás, não tardou também que eles lhe voltassem as costas. Não
tomava parte em coisa nenhuma, nem nas reuniões gerais, nem nas discussões, nem
nos recreios. Estudava com afinco, sem ter pena de si mesmo, e por isso o
respeitavam, mas não lhe tinham amizade. Era muito pobre, extremamente
orgulhoso e nada comunicativo; parecia que escondia qualquer mistério. Na
verdade, parecia que encarava alguns dos seus condiscípulos como se fossem
crianças, por sobre o ombro, como se estivesse muito acima de todos
eles, tanto pela inteligência como pelo saber e pelas ideias, e considerasse as
suas convicções e interesses como algo de inferior”. (DOSTOIÉVSKI, 2003. p. 52)
“Havia já quatro
meses que Raskólhnikov não o visitava, e Razumíkhin, por seu lado, ignorava
onde ele morava. Uma vez, havia dois meses, encontraram-se na rua, mas
Raskólhnikov voltara-lhe as costas, passando para o outro passeio para que não
o visse. E Razumíkhin, embora o tivesse visto muito bem, passou não incomodar o
amigo”. (DOSTOIÉVSKI, 2003. p. 53)
Raskólhnikov estava
em dúvida se iria visitá-lo. Ainda na praça, ele seguiu para uma área campestre
da cidade. No caminho parou numa espécie de taverna para comer um pastel e
tomar uma aguardente. Mas, sentindo sono, ao sair da taverna, acabou
adormecendo numa grama. Sonhara com a sua infância, e com cristãos que ao
saírem duma taverna passara a maltratar uma égua até a morte. Ao acordar,
estava banhado de suor e horrorizado com o sonho. Estava com febre. Dirigiu-se
ao Mercado do Feno e encontrou a irmã de Alíona Ivânovna, uma jovem de 35 anos
chamada Lisavieta Ivânovna que conversava com um casal de vendedores e esses
marcaram para ela passar lá no dia seguinte por volta das 8 da noite para
resolver um assunto importante. Raskólhnikov ao ter ouvido parte da conversa:
“Raskólhnikov já se
tinha retirado e não escutou mais. Caminhava devagar, sem chamar a atenção,
esforçando-se por não perder uma palavra. O seu primeiro assombro pouco a pouco
foi-se transformando em espanto, e um calafrio percorreu a espinha. De repente,
adquirira uma informação certa; de um modo súbito e totalmente inesperado,
soubera que no dia seguinte, às oito em ponto da noite, a irmã mais nova, e
única pessoa que vivia com ela, não devia estar em casa e, portanto, às oito em
ponto da noite a velha ficaria em casa sozinha”. (DOSTOIÉVSKI, 2003. p. 63)
O assunto que foi
dito a Lisavieta era que uma mulher que empobrecera estava vendendo uns objetos
femininos.
Raskólhnikov levou um
anel de ouro, presente de Dúnia, para ser empenhado com a usurária, depois
entrou numa taverna e bebeu chá. Lá encontrou um oficial e um estudante em
outra mesa que comentavam sobre Alíona Ivânova sobre o fato de ela ser
endinheirada. Ao se retirar da taverna, ele seguiu para sua casa, sendo
acordado no dia seguinte por Nastássia que lhe trouxera pão e chá.
Às duas da tarde,
Nastássia trouxe para Raskólhnikov um resto de uma sopa e o rapaz se alimentou
muito pouco. Estava doente. Queria apenas descansar. Após ter descansado um
pouco ele ficou imaginando uma forma de como assassinaria a usurária e pensou
na machadinha da cozinha do pensionato. Costurou o seu casaco, o único que
possuía, para ser escondida a machadinha e fez um embrulho com um pedaço de
madeira.
“Pouco a pouco chegou
a conclusões tão variadas como curiosas. A seu ver, o motivo principal residia
não tanto na impossibilidade natural de ocultar o crime, como no próprio
criminoso; todos os criminosos, sejam eles quais forem, experimentam no momento
de cometer o seu crime uma espécie de enfraquecimento da vontade e do
raciocínio, estado esse que vem depois a ser substituído por um atordoamento
extraordinário e pueril, precisamente no momento em que mais necessárias lhe
seriam a razão e a prudência. Esse eclipse do raciocínio, esse desfalecimento
da vontade, segundo Raskólhnikov, apoderava-se do homem à maneira de uma
doença, desenvolvendo-se progressivamente e alcançado o seu máximo de intensidade
momentos antes do cometimento do crime: persistia durante a execução deste
último e algum tempo depois, conforme os indivíduos, acabando depois por
desaparecer como qualquer outra doença. O problema estava em saber se é sempre
acompanhado de um certo gênero de doença; mas isso era uma questões que ele não
se sentia capaz de resolver”. (DOSTOIÉVSKI, 2003.
p. 71 e seg.)
Saiu à rua com a
machadinha escondida, fazendo o possível para não ser notado por ninguém por
onde passasse. Seu coração palpitava com força. Entrou no apartamento da velha
e lhe disse que estava com um penhor. Mostrou-lhe uma cigarrilha de prata e a
senhora o fora ver no claro. Percebendo que o outro estava nervoso ela estava
desconfiada ao passo que o outro lhe dissera estar doente. Quando a velha deu
um vacilo, ele deferiu três golpes com a machadinha até matá-la. Revistou o
corpo à procura de dinheiro e o apartamento da morta. Feito isso, encontrou um
porta-moedas no quarto, colocando-o no bolso. Encontrou um cofre com alguns
objetos debaixo da cama e os guardou no bolso. Nesse ínterim, Lisavieta
aparecera. Ao ver a irmã morta, entrou em estado de choque. Raskólhnikov, por
não ter outra opção teve de matá-la também.
“O medo apoderava-se
dele cada vez com mais força, sobretudo depois deste segundo homicídio,
completamente inesperado.
Estava ansioso por
ver-se longe dali o mais depressa possível”. (DOSTOIÉVSKI, 2003.
p. 81)
De certo modo,
Raskólhnikov mostrou-se ter-se arrependido. Lavou as mãos ensanguentadas e a
machadinha num balde que havia na cozinha. Ainda preocupado, trancou a porta do
apartamento. Depois ouviu chamarem do lado de fora. Mas saíram. Permaneceu a
escutar o barulho que ocorria lá fora. O visitante que chamara, retornou com
outro. Eles tocavam a campainha e chamaram várias vezes.
“- Mas estarão elas
dormindo ou tê-las-iam morto? Malditas! – exclamou, como no fundo de um poço. –
Eh, Alíona Ivânovna, velha bruxa! Lisavieta Ivânovna, beldade sem-par! Abram!
Mas vocês estão dormindo, malditas?
E, furioso, pôs-se
outra vez a puxar pela campainha, dez vezes seguidas. Não havia dúvida de que
era algum homem com autoridade e familiar naquela casa.
“-Bem. Que há de
fazer? Temos de bater em retirada! Ah... Ah! E eu que contava já
co o dinheiro! – exclamou o rapaz.
- É claro que temos
de nos ir embora; mas então para que marcou ela uma hora? Foi ela mesma, a
velha bruxa, que marcou esta hora. E da minha casa até aqui ainda é uma
estirada. Também não percebo aonde teria ela ido! Todo o ano metida em casa, o
diabo da velha, a resmungar e a dizer que lhe doem os pés, e de repente some e
vai para a paródia!
“- Espere! – exclamou
o rapaz de repente. – Olhe, não vê como a porta cede quanto é sacudida?
- E então?
- Isso quer dizer que
não têm a chave posta e apenas o fecho corrido! Não sente ranger o fecho? E
para ter o fecho corrido é preciso estar em casa, compreende? Donde se conclui
que estão em casa mas não querem mais abrir”. (DOSTOIÉVSKI, 2003.
p. 83)
Continuaram a tocar a
campainha forçando a porta e olharam pelo buraco da fechadura. Mas, a chave
impedia a visão. Enquanto isso, Raskólhnikov estava com a machadinha em riste,
pronto para atacá-los quando entrassem. Desistiram e se foram. Nesse momento,
Raskólhnikov aproveitou para fugir, deixando fechada a porta do apartamento. Ao
descer as escadas percebeu que havia um alvoroço no andar de baixo. Era preciso
se esconder em algum lugar. Tratava-se de uma discussão entre os pintores do
apartamento desocupado. Após isso, os homens retornaram mais uma vez e
Raskólhnikov:
“Seja! Se me apanham,
está tudo perdido; se me deixam passar tudo está perdido também; hão de
lembrar-se de mim”. (DOSTOIÉVSKI, 2003. p. 85)
Viu o apartamento desocupado e entrou para se esconder. Era o que antes estavam os pintores. Os homens passaram por ali e ele aproveitou para “dar o fora”, seguindo para o pensionato onde morava. Estava apavorado. Colocou a machadinha no lugar e se trancou em seu quarto.
(continua)
Crime e
Castigo (Resumo) – Parte 2: https://bit.ly/3nGXNe2
Crime e
Castigo (Resumo) – Parte 3: https://bit.ly/3um8R3V
Crime e
Castigo (Resumo) – Parte 4: https://bit.ly/3yjKIw5
Crime e
Castigo (Resumo) – Parte 5: https://bit.ly/3P4zJxv
REFERÊNCIA:
DOSTOIÉVSKI. Crime e Castigo. São Paulo. Nova Cultural.
Suzano. 2003.