— Onde fica essa lixeira, Joaquim? – perguntou o passageiro ao motorista.
— Já
tamo chegano – respondeu o motorista.
Eram
dois funcionários de um supermercado. Eles eram conduzidos por um caminhão rumo
a um terreno baldio de uma periferia da cidade para descarregar o lixo da
empresa naquelas grandes caçambas que serviam como lixeiro.
Passados
alguns minutos, o veículo chegou ao local e os dois trabalhadores começaram o
serviço. Ao abrirem a carroceria, o motorista subiu para empurrar as caixas,
enquanto o outro iria descarregar na caçamba.
O
ambiente causava um sentimento de melancolia. Nele havia uma vala fétida onde,
provavelmente, era a morada de insetos asquerosos, com um matagal do outro lado
da rua que servia como ponto para uso de entorpecentes. Tratava-se, na verdade,
de local esquecido pela administração pública do qual a alta sociedade pouco se
importava.
— O que
tem nessas caixa, Joaquim?
—
Alimentos fora da validade – respondeu Joaquim dando uma pausa para depois
concluir – Esses alimento já tem 6 a 8 mês que tão vencido. É biscoito, cereal
pra fazer mingau, leite em pó, e mais coisa.
— Cara!
– espantou-se o outro.
Terminado
o serviço do descarregamento, Joaquim desceu para ajudar o parceiro a jogar as
caixas na caçamba.
— Vamo
fazer o seguinte – sugeriu Joaquim – Agente tira as etiqueta dos preço prá não
complicá nem a empresa, nem o patrão.
— Certo
– concordou o outro.
Após
retirarem as etiquetas de preços das caixas dos produtos. Eles foram jogando as
caixas na caçamba de lixo e a conversavam sobre os problemas da empresa
relacionados aos “puxa-sacos”, aos seus relacionamentos conjugais sem futuro, e
a apreciarem as jovens vestidas com roupas curtas que passavam no local e se
insinuavam para eles. Um deles as comia com os olhos:
—
Gostosa!
— Vamos
trabalhar, mêrmão! Agente ainda tem que almoçá! – repreendeu Joaquim.
Realmente
Joaquim estava certo. Afinal de contas, a barriga já estava roncando e o sol,
de matar.
Passados
poucos minutos, sem dirigirem uma palavra ao outro; e sem ao menos esperarem,
surgiram algumas pessoas de dentro da caçamba de lixo. Umas duas ou três. Um
detalhe que os dois não tinham notado quando chegaram.
Essas
pessoas eram catadores que envergonhados se revelaram quando ouviram a conversa
daqueles dois trabalhadores.
— Cara!
Que porra é isso?
— É os
catadores, véio! – respondeu Joaquim.
— Mas
assim dessa forma?
— Sabe
de nada, inocente!
Quase
para concluir o serviço, um garoto de aproximadamente 10 anos, surgira de dentro
do latão.
— Oxe!
Que é que é isso, meu irmão?
Joaquim
fez cara de riso por causa do espanto do colega de trabalho por já está
acostumado com aquelas cenas, dizendo em seguida:
—
Acabamo! Vamo cair fora!
Quando
os dois trabalhadores estavam abrindo as portas do caminhão para adentrarem e
retornar ao supermercado, bater o ponto, e almoçarem, viram ainda mais três
outros garotos com a mesma idade escondidos na caçamba, recolhendo aqueles
restos de alimentos sem validade. Mas, quando fora dada a partida no motor do
veículo e esse seguiu o seu rumo, surgiram mais pessoas (mais crianças,
adultos, e idosos) por todo o terreno baldio que foram entrando na caçamba de
lixo.
Apesar
das pessoas demonstrarem grande contentamento no olhar, elas se assemelhavam a
zumbis, recolhendo aquelas migalhas estragadas para saciar a fome. Resistindo
bravamente como guerreiros a um sistema sanguessuga que as forçou a viver
naquela condição: marginalizadas e afundadas na miséria.
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* O
presente conto faz parte do livro Histórias
aceitas por ninguém escrito por Allan de Oliveira. E caso o leitor tenha interesse
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